Jantar conferência apontou caminhos para a coesão territorial e o desenvolvimento da região
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- Publicado em 15-11-2024
O caminho para o desenvolvimento do país passa obrigatoriamente pelo centro: quer pela sua posição geográfica, quer pela sua localização estratégica, quer pelas suas potencialidades e excelências. No entanto, a dicotomia interior-litoral continua visível, e a desigualdade de oportunidades e de acessos continua a ser uma realidade que, não só fomenta esta assimetria, como em parte, não permite um correto desenvolvimento do país. |
Traçar caminhos e rotas para o desenvolvimento da região, do interior, e do próprio país, foi precisamente o propósito do Jantar Conferência “Coesão Territorial”, que contou com Luís Marques Mendes como convidado de honra, no passado dia 29 de outubro, após o Dia da Democracia, que juntou mais de 300 jovens na Sertã. Além do advogado e comentador político, estiveram presentes neste jantar conferência Carlos Miranda, Presidente da Câmara Municipal da Sertã, empresários do concelho da Sertã, Presidentes de Juntas e Uniões de Freguesia, Presidentes de Câmara, IPSS's, membros diretivos da SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (Álvaro Beleza, João Perestrello e Nuno Carrapatoso), e entidades locais.
Nas várias intervenções falou-se de Democracia, dos desafios que a sociedade hoje enfrenta seja a nível nacional ou internacional, das desigualdades e injustiças que ainda hoje se verificam entre litoral e interior, de segurança, de caminhos estratégicos, de inteligência artificial e, acima de tudo, de passos e caminhos para o futuro e para o desenvolvimento do país que passam precisamente pelo interior de Portugal.
Carlos Miranda, Presidente da Câmara Municipal da Sertã, começou por referir os três fatores que, no seu entender, são fundamentais para que a coesão territorial possa existir verdadeiramente: primeiro, confiança do estado central nos agentes locais, nomeadamente nos autarcas; em segundo lugar igualdade no acesso a serviços essenciais e, em terceiro lugar, equidade no investimento nacional, tendo em conta a população, a dimensão do território e o seu potencial.
No que diz respeito ao primeiro ponto, na confiança do estado central nos agentes locais, nomeadamente nos autarcas, e uma política que seja clara para os territórios de baixa densidade, Carlos Miranda falou naquilo que considera ser o território do “não se pode”. A este propósito, explicou, que qualquer ação tomada no centro do país, tem sempre uma regra, um plano especial ou um Decreto-Lei, o que condiciona a ação e a prática, da mesma forma que “uma grande parte das decisões que dizem respeito ao desenvolvimento do território” não passam pelos autarcas do interior do país, mas apenas por “autorizações do poder central”. Assim, mostrou a sua “revolta” na falta de igualdade no tratamento do território: “pode-se fazer em Lisboa aquilo que não se pode fazer na Sertã”, adiantando que “em Lisboa nada nos impede de construir junto ao Rio Tejo, mas na Sertã não se pode mexer uma pedra à beira da Albufeira de Castelo do Bode, ou do Cabril, ou da Bouçã.” Compreendendo que estas ações possam ser resposta a uma proteção do ambiente, da água e da biodiversidade, não se apresenta contra elas, mas considera que falta um equilíbrio e bom senso “entre o ordenamento do território, entre a preservação destes valores que são muito importantes, e o desenvolvimento económico”. “Se não podemos investir, devemos ser compensados de outra forma” rematou.
A segunda questão que Carlos Miranda considera prioritária para que possa realmente existir uma Coesão Territorial, passa pela igualdade de acessos, “de coisas muito básicas da vida das pessoas” como o saneamento ou o valor pela recolha de resíduos sólidos. Mais uma vez, o autarca focou a desigualdade entre o interior e o litoral, entre os territórios de baixa densidade e os grandes centros urbanos: “paga-se mais para que as pessoas tenham acesso à água, paga-se mais para que as pessoas tenham acesso a transportes públicos, paga-se mais para que as pessoas tenham as ruas limpas e que os resíduos sejam recolhidos”.
O terceiro ponto, centrado na equidade do investimento nacional, apresenta novamente desigualdades e discrepâncias. Numa altura em que se fala em grandes investimentos em Portugal – novo aeroporto, nova travessia sobre o Tejo, novos planos ferroviários – vê-se que esses investimentos acontecem onde sempre os houve. E o interior volta a ficar esquecido. Como defendeu Carlos Miranda, no caso da Sertã há realidades tão emergentes como antigas. É o caso da EN238 “que a população reclama há mais de 30 anos, cuja requalificação custaria 20 ou 30 milhões de euros” e nunca avançou. É o caso também do IC8, que nunca foi concluído, o que dizer da sua requalificação que se torna cada vez mais urgente e necessária. E o caso ainda do IC31, que faz a ligação entre a A23 a Monfortinho e depois a Madrid, que se complementa com o IC8 e que fazem com que, de facto, “esta região seja absolutamente decisiva para a circulação entre o litoral português e toda a região centro e Madrid.” Daí advém ainda mais a urgência de investimento na requalificação destas estradas, fundamentais não só para a Sertã, mas para todo o território do Pinhal Interior, de toda a região centro e do próprio País.
A questão da equidade de investimento, centrava-se ainda em fatores como a população, a dimensão do território e o seu potencial. E aqui, Carlos Miranda, defende que o interior do país deve ter direito a participar neste esforço de desenvolvimento do país. Do Turismo que oferece experiências únicas, à floresta que é um elemento basilar, e que ela própria precisa de uma reforma e de uma gestão mais eficaz “para termos uma floresta que seja rentável, segura, e que também preserve a biodiversidade”, passando pelas empresas e IPSS locais que necessitam de mais apoio, mais investimento, mais estímulo.
Carlos Miranda terminou a sua intervenção com uma analogia à mesa, referindo que o centro do país não quer “as migalhas que caem da mesa do poder”, mas sim “um lugar à mesa do poder e do desenvolvimento”. O centro do país tem o direito e o dever de participar ativamente no desenvolvimento do país e do território porque, “nós não somos um obstáculo ao desenvolvimento do país, pelo contrário, nós somos uma oportunidade. Nós não somos o problema, nós somos parte da solução”, concluiu.
Luís Marques Mendes, por sua vez, começou por revelar que a sua primeira aventura política “foi nas eleições autárquicas em 1976”, uma experiência que considera como “uma das mais enriquecedoras” na sua vida política. Por isso, consegue perceber e reconhecer o trabalho que é feito nas autarquias, e o papel importantíssimo que hoje em dia as Câmaras Municipais assumem, reconhecendo “o contributo absolutamente notável para o desenvolvimento do país em 50 anos de democracia”.
Antes de passar ao tema que serviu de mote a este jantar, a coesão territorial, Marques Mendes falou aos convidados ali presentes sobre a situação que vivemos atualmente que, segundo o advogado, é um “momento desafiante no plano externo e particularmente estimulante no plano interno”. Das guerras que neste momento decorrem, na Europa e no Médio Oriente, ao então resultado das eleições americanas, passando por “um problema de crescimento, de competitividade e falta de liderança política na Europa”, que causam instabilidade e incerteza, a nível interno vive-se uma “situação estimulante em Portugal”. Vários são os motivos para esta estimulação, desde a diminuição da dívida pública, ao “avanço brutal em qualificações”, ou uma modernização do tecido empresarial, há vários fatores que hoje em dia dão aos portugueses “motivos de confiança, de esperança e de ambição” para não cruzar os braços perante a instabilidade externa.
No entanto, mesmo a nível interno, há problemas que devem ser resolvidos. Marques Mendes crê que, neste momento, é necessário darmos prioridade a três: o problema demográfico, o problema da produtividade e, finalmente, o problema da coesão territorial.
Se, na primeira situação aponta a emigração como uma resposta óbvia e necessária, na segunda sugere a Inteligência Artificial e a digitalização das Pequenas e Médias Empresas, especialmente no interior. Por fim, e chegando à questão da coesão territorial, defende que se o interior já tem boas condições, boas infraestruturas, bons equipamentos, falta agora “criar condições para atrair o investimento”, que irão consequentemente permitir uma fixação da população. “O diagnóstico está feito” avançou o comentador político, “só é preciso agir e criar condições para que o investidor” em vez de investir sempre nos mesmos centros urbanos, “também possa investir aqui na região” concluiu. E para que isto aconteça, há duas medidas que Marques Mendes não só apresentou em primeira mão na Sertã, como julga serem oportunidades únicas para que este desenvolvimento do interior se alavanque. A primeira medida é que os Fundos Estruturais do Portugal 2030 irão beneficiar em grande medida empresas que se queiram fixar nos territórios de baixa densidade. Aliás, avançou Marques Mendes, “40 % das quotas vão ser exclusivamente para territórios de baixa densidade”. A segunda medida, relacionada com os fundos perdidos da União Europeia, é que haverá “um incentivo de 50% só para os investimentos na zona do interior” e cerca de 30% para outros territórios, o que se pode traduzir numa “diferença significativa”.
No final deste jantar, sobrou o convívio e o debate de ideias, bem ao jeito democrático. Cumpriu-se assim o propósito principal deste jantar conferência, o de traçar caminhos para uma coesão territorial e para um desenvolvimento do país, que passa obrigatoriamente pelo Centro de Portugal – pela própria geografia do país e pelo seu potencial. Fez-se assim, aquilo que Marques Mendes apelidou de um ato de coragem – o de “apontar soluções, apresentar caminhos e medidas. E isso faz toda a diferença”.