Tertúlias Repensar Portugal sugerem que futuro do país deve assentar numa democracia cultural

Tertulias sld  

O mote era repensar Portugal a partir da Sertã e, no passado dia 9 de novembro, quase uma dezena de convidados esteve no Cineteatro Tasso para refletir sobre o tema e tentar sinalizar eventuais caminhos futuros para o país, em ambiente de tertúlia.  

Carlos Miranda abriu e encerrou esta segunda edição das Tertúlias Repensar Portugal, um nome inspirado no título da obra fundamental do Padre Manuel Antunes, e o presidente da Câmara Municipal da Sertã lembrou a importância destes encontros para refletir sobre “a Sertã, as oportunidades e os desafios deste território, a região e o país”, identificando “que contributos podemos dar para o desenvolvimento” de Portugal.


O primeiro painel contou com a presença de Adriano Mendes, Margarida Girão e Pedro Ferrão, três artistas naturais do concelho da Sertã, tendo a moderação ficado a cargo de Mário Correia. Adriano Mendes aproveitou a oportunidade para partilhar com o público algumas ideias, insistindo acerca da necessidade de a Sertã e o país escutarem e estarem mais atentos ao que se passa à sua volta: “Temos de ter a capacidade de perceber o que é que nos distingue e apostar realmente nisso. Não é correto andarmos a copiar o que os outros fazem. Por vezes, basta parar e escutar – o território dá-nos pistas e mostra-nos do que se deve construir o futuro”. Margarida Girão reforçou este ponto, afirmando que “devemos eliminar fronteiras e evitar trabalhar isoladamente”. E citou um exemplo: “os eventos culturais que decorrem no território têm de ser pensados numa abrangência mais vasta. Eles são oportunidades, não só a nível cultural, mas também económico, turístico e social”. “Tudo precisa de estar interligado e isso deve suceder igualmente nas várias estruturas que trabalham no território”, acrescentou a artista plástica. Por seu lado, Pedro Ferrão lembrou “o quanto a Sertã de hoje é diferente do passado” e das “muitas oportunidades que agora se abrem nestes territórios”. O escritor insistiu na “necessidade de aproximar os mais jovens da cultura”, desenvolvendo mecanismos que possam ajudar nessa tarefa.

Durante a tarde, aconteceram dois painéis. No primeiro, mais virado para a música tradicional, o jornalista Rui Lopes moderou a sessão que contou com Mário Correia e Miguel Carvalhinho. Este último, aproveitou a sua intervenção para apresentar o trabalho de recuperação e divulgação que tem desenvolvido em torno da viola beiroa, um instrumento tradicional da Beira Baixa e um dos grandes embaixadores musicais desta região. Miguel Carvalhinho destacou “o esforço desenvolvido, ao longo dos últimos anos, e os frutos que têm resultado desse trabalho, que trouxe novamente à ribalta a viola beiroa”. Já Mário Correia, um homem com uma vasta experiência na área da etnomusicologia, discorreu sobre o “importante papel” que o Centro de Música Tradicional, por si liderado, desempenhou na “promoção da cultura do nordeste transmontano”, sobretudo ao nível da música tradicional. Ambos os convidados concordaram na “necessidade de manter vivo o trabalho que tem sido desenvolvido, num passado recente, na preservação, estudo e divulgação da cultura tradicional”, alertando, todavia, para “os perigos que se afiguram no horizonte”, de que é exemplo “uma certa ‘mcdonaldização’ da cultura, que tende a uniformizar certas expressões artísticas, retirando-lhes a sua originalidade e a evidente ligação à terra”, notou Mário Correia.

A fechar as Tertúlias Repensar Portugal, o último painel incluía, além do presidente da Câmara Municipal da Sertã, Carlos Miranda, o historiador Vítor Serrão e o comissário do Plano Nacional das Artes, Paulo Pires do Vale. O moderador foi Hélder Ferreira. Vítor Serrão serviu-se dos objetivos elencados na Carta de Direitos e Deveres do Património Histórico-Cultural Português para notar que “as sociedades contemporâneas tendem a esquecer que os monumentos e as obras de arte têm sentidos que perduram no tempo histórico e sempre abriram campo a debates frutuosos e plurais”. E nesse debate, que “não é feito para produzir consensos”, cabem várias dimensões “a que é preciso prestar atenção”. Mais à frente, o historiador assinalou o “direito que a população tem à cultura”, o qual deve ser “absolutamente primordial e orientador”. Notou também que “a cultura não tem de ter “uma utilidade definida”, podendo “apenas ser algo que nos fascina”. É “dessa liberdade que deve estar impregnada a cultura”, rematou Vítor Serrão. Citando uma frase célebre do Padre Manuel Antunes, de que é na democracia cultural que “se encontra uma das poucas saídas para o futuro deste país”, Paulo Pires do Vale apresentou, em linhas gerais, o Plano Nacional das Artes e deixou algumas notas fundamentais sobre o trabalho que tem sido desenvolvido nos últimos meses. Num âmbito mais geral, defendeu que a “escola deveria ter um papel mais ativo na concretização das políticas culturais” e que as próprias instituições têm a obrigação de se “abrir mais ao mundo e ao diálogo”, caucionando a expressão de “extituição” para justificar essa ideia de maior abertura.

Carlos Miranda fez um “balanço positivo” das Tertúlias Repensar Portugal e sublinhou a “necessidade, cada vez mais premente, destes encontros acontecerem”. Elencou ainda alguns dos pontos mais importantes que foram discutidos durante este dia, realçando a premissa de que a cultura é um direito e de que o futuro do país poderá mesmo radicar, como dizia o Padre Manuel Antunes, numa democracia cultural. Congratulou-se, por fim, com o facto de a segunda edição das tertúlias “ter tido maior adesão” do que a primeira edição, no passado mês de maio. “Isso deixa-me muito satisfeito”, atalhou.

À noite, e ainda no âmbito destas Tertúlias Repensar Portugal, a Casa da Cultura da Sertã quase encheu para assistir ao espetáculo musical «Tradição Contemporânea», com a presença de Miguel Calhaz, Luísa Vieira, Marco Figueiredo, Patrícia Domingues, Idalina Gameiro e Lídia Carolina. Neste concerto foi possível ouvir várias músicas tradicionais da Beira Baixa, incluindo temas tradicionais do concelho da Sertã, como por exemplo “Vira do Outeiro”, “Debaixo da Laranjeira” e “A azeitona por ser preta”. Do cancioneiro tradicional chegaram temas como “Senhora do Almortão”, Maria Faia” ou “Milho Verde”. 

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